estou assistindo The Office mais uma vez e, viciada em Steve Carell, procuro qualquer coisa onde ele esteja atuando. o algoritmo da Netflix, sabendo dessa fome estranha, me indicou o filme Um divã para dois, onde o terapeuta é o Michel Scott não sendo Michel Scott. sentado em uma poltrona, escutando seus pacientes com atenção, fiquei esperando que tornasse tudo sobre ele mais uma vez, mas não aconteceu. o foco desse filme é o relacionamento entre Kay (Meryl Streep) e Arnold (Tommy Lee Jones).
comemorando 31 anos de casados, não são nada além de duas pessoas que dividem a mesma casa em quartos separados. Kay faz todo o serviço doméstico, trabalha em uma loja, recebe os filhos pra jantar e busca a atenção de Arnold. o marido que trabalha em uma empresa de contabilidade, faz as refeições lendo jornal e, todas as noites, dorme em uma poltrona na frente da tevê, enquanto Kay termina de limpar a cozinha sempre sem ajuda.
ela é a única que parece se incomodar com essa situação e, desesperada para sair do esquema “esposa que virou mãe do marido” , encontra uma saída: o programa do Dr. Bernie Feld (Michael Scott, digo, Steve Carell).
da mesma forma que outros filmes hollywoodianos, depois de uma semana fazendo terapia de casal, em uma cidadezinha onde todas as pessoas e lugares parecem ser moldados para consertar relacionamentos, tudo acaba bem. eles voltam a transar e Kay realiza sua fantasia mais louca (risos): renovar os votos de casamento em uma praia belíssima, com seus filhos e netos sendo testemunhas desse momento feliz.
mas sabe qual é a fantasia de Arnold? fazer sexo à três com Kay e a vizinha.
e sabe o que ele fez pra consertar o relacionamento? levou Kay pra jantar em um restaurante chique, alugou um quarto em um hotel romântico e transou com ela de olhos abertos (um grande desafio pra ele), depois de reclamar de absolutamente tudo por uma semana (e me fazer repetir mil vezes MANDA ESSE VÉIO À PUTA QUE PARIUUU!!!!!).
tudo bem que o filme é de 2012 e a geração deles é muito diferente da minha, mas será mesmo que tudo se resolve com sexo e romantismo? vejo essa mesma pegada em Sex and The City, uma das minhas séries favoritas, mas não deixo de questionar esse tipo de coisa. questiono porque, apesar de romantizar muitas coisas, a série também mostra que mesmo o cara sendo um príncipe com um pirocão maravilhoso não é o suficiente pra dar certo.
no filme, Kay reclama que Arnold não a toca mais, que se sente sozinha, que tem saudade daquela paixão louca do início do casamento. mas em nenhum momento se queixa que ele não divide as tarefas, não lava a louça, não arruma a cama, não coloca as roupas pra lavar. não sei se é só comigo, mas me diz uma coisa: que tesão tu vai sentir por alguém que não tira nem o próprio prato da mesa?
companheirismo, lealdade e amor não são encontrados apenas na ausência de traição e de mentiras. não é só dar um presente legal, levar para jantar no meio da semana ou ouvir mais uma vez a pessoa reclamar do trabalho, do chefe ou da mãe (sem mexer no celular), que o alecrim dourado vira automaticamente o melhor companheiro do mundo.
lembrar que tem que comprar papel higiênico, se ligar de colocar a roupa suja na máquina de lavar, tirar o lixo e (antes ou depois) arrumar a cama, borrifando aqueles negocinhos que deixam um cheiro bom no edredom, é o auge do amor pra mim.
e eu sinto falta disso na programação da tevê. daquele amor do dia-a-dia. de entender que romance é dar graças a deus que a outra pessoa lembrou de descongelar a carne e entender que sexo é super importante, sim, mas ninguém precisa fazer de tudo para salvar o que não deveria ser salvo desse jeito.
conviver com um par amoroso envolve muito menos amorzinho e transa do que vendem por aí. é mais como gerenciar uma empresa completa, onde existe o setor financeiro, o rh, a logística, a limpeza do local, a fofoca dos corredores e, em muitos casos, filiais problemáticas (filhos) que mais atrapalham do que ajudam.
Arnold que me desculpe, mas Kay merecia algo melhor. além de merecer algo melhor, deveria querer algo melhor.
ao invés de estudar como satisfazer Arnold na cama, por que não encontrar formas de se auto satisfazer? por que Kay tem que ser compreensiva com o problema sexual dele? por que tem que fingir que está gostando? por que sua vontade nunca é levada em conta?
você, mulher, já parou pra pensar qual é a sua fantasia? nada de casamento, filhos, carreira. o que você gostaria de realizar ou que realizassem com você na cama? ou em um banheiro público? ou no cinema? sei lá, não tenha medo ou vergonha dos seus desejos.
homens gastam um monte de dinheiro com pornografia e garotas de programa e eu só vejo as mulheres da minha volta reclamando que os brinquedinhos sexuais femininos são muito caros. sei que existe um recorte social imenso, onde muitas mulheres são dependentes de seus maridos ou tem que escolher entre o almoço ou a janta, mas aqui estou falando das que eu conheço, com o padrão de vida bem ok e não o fazem por achar que isso não é importante.
mas a culpa não é da Kay, nem minha, nem das minhas amigas pão-duras que ainda não tiveram o prazer de conhecer o sugador de clitóris. a culpa é dele, do famoso patriarcado. um velho tipo o Arnold, que acha que pagar as contas, não trair e aceitar participar de uma semana de terapia de casal já é grande coisa, não o mínimo. a culpa também é das historinhas que nos contam desde sempre, onde a mulher que busca prazer é puta e depois de ser mãe vira santa. é sempre assim, não tem meio termo.
mas a gente chega lá, não chega?
antes do mundo acabar, as coisas vão melhorar. não vão?
eu quero acreditar que sim. sou uma pessoa positiva, afinal de contas. já conheço um monte de mulher diferente da Kay, tudo é bolha, claro, mas eu não quero e não posso acreditar que não estamos melhorando. talvez Kay correu pra que eu pudesse pedir de presente um sugador de clitóris andando. além do mais, agora tem a Julie (a pior pessoa do mundo), a Rakel (ninja baby), a Bella Baxter (pobres criaturas), a Hannah (girls), a Issa Rae (insecure) e por aí vai. tantas mulheres e relacionamentos que não são perfeitos, longe disso, mas que quando funcionam, não funcionam só pra um lado.
e é esse o objetivo. pelo menos o meu.
vamos nessa, galera que se relaciona com outra galera?
Goodvibes de JUNHO
O Fazia Poesia me chamou pra participar de um editorial muito legal com alguns dos meus poemas. Se quiser conferir meu eu-poético na página deles, segue aqui:
Não posso deixar de dar todos os créditos ao RECLAME AQUI, que uso sempre que preciso reclamar de alguma coisa (com razão) e sempre dá resultado. Para as coisas que eu quero reclamar só por reclamar, continuo usando meus amigos, o meu companheiro, essa newsletter…
Não estava brincando quando disse que pedi um sugador de clitóris de dia dos namorados. Manas, segue o link. É uma revolução sexual (e não estou sendo patrocinada pra dizer isso).
Badvibes de JUNHO
Sei que não deveria, mas me perdi em várias tragédias
do TikTokda vida real. Estou chocada com a seita familiar de cetamina, o brigadeirão envenenado e o peeling de fenol que deu muito errado.Comprei um óculos de grau pela internet e, assim que chegou, não deu muito certo e tive que entortar todo ele para conseguir enxergar bem. Isso já faz uns dois, três anos. Esse mês decidi ir em uma ótica para desentortá-lo e fica o questionamento: se a sensação de resolver isso foi tão boa, por que demoro tanto para resolver pequenas coisas que me incomodam tanto?
A PL 1904/2024, o maior surto coletivo do mês de junho. Compartilho aqui meu nojo, repulsa, ódio e a newsletter da Anny Castro, que comparou esses políticos de merda com o que eles realmente são: vermes malditos.
Deitei na rede e vim de LEITURINHA
A vergonha (Annie Ernaux) - vendem a ideia de que família é tudo. Se isso é verdade, dentro desse tudo, há mais vergonha do que orgulho.
A mercadoria mais preciosa: Uma fábula (Jean-Claude Grumberg) - uma guerra onde médico vira cabelereiro de crânios, ex-gêmea ensina quem tem coração e pobre lenhadora encontra o amor pertinho do trilho do trem.
Como libertar o presente: cocriação de novas narrativas (André Carvalhal): já passou da hora de empurrar a solução do mundo para as gerações futuras. O que podemos fazer agora?
As herdeiras (Aixa De La Cruz) - a avó bruxa morreu, mas deixou sua casa para as netas seguirem com a magia.
A voz na sua cabeça (Ethan Kross) - lições para conseguir dizer “senta lá, cláudia” para os pensamentos intrusivos.
No meu rolo da câmera rolou essa foto aqui
O que é a VIDA, Gabriela?
lutar pelos nossos direitos
entre o café da manhã e a janta
e, depois, sonhar com alguma paz.
1. Como eu já disse, adoro sua newsletter e como parece que estou sentada no chão conversando com uma amiga S2.
2. As suas poesias!!!! Adoro o cotidiano na literatura e na poesia.
Esse verso aqui de Estiagem:
"às vezes
a chuva
seca o futuro".
3. Obrigada pela indicação da minha newsletter sobre esse tema tão bárbaro! Seguimos!