fez o que no fim de semana?
fui no cemitério visitar meus mortos.
tu tem tantos mortos assim?
minhas memórias de infância se passam em conversas que não eram pra ser escutadas, em quartos de hospitais quase sem vida, no pega-pega nos velórios fedendo a crisântemo, nas missas de sétimo dia cheias de sermão, nas brincadeiras pelo cemitério católico ou evangélico, nunca o municipal.
minha mãe e minhas tias faziam a limpeza dos túmulos dos seus mortos (meus mortos também) algumas vezes por ano e minha prima e eu fazíamos do cemitério um playground. a gente corria e ria alto até alguém nos lembrar (repetidamente) que ali não era lugar pra felicidade.
tentando ser silenciosas, e talvez tristes, nós passávamos os dedinhos nos túmulos, sentindo o relevo das pedras decorativas, em tons sombrios ou claros demais, e nas letras que formavam frases que a gente ainda não conseguia ler.
não acreditava que os túmulos em miniatura guardavam corpos de crianças ao invés de bonecas dorminhocas e, com medo de que piscassem pra nós, não encarávamos suas fotos por muito tempo.
sem paciência, alguém deve ter nos explicado sobre as diferenças das construções fúnebres e ali começamos a entender sobre as classes sociais.
os pobres, guardados em gavetas ou enterrados em túmulos mal acabados, têm seus nomes, datas de nascimento e de falecimento escritos em giz, quase apagados, e os ricos, dentro de suas casas-túmulos, têm pra si toda a perfumaria da morte. eu tentava abrir as portas dessas mansões fúnebres quando nenhum adulto estava olhando, mas, quando destrancadas, nem eu nem minha prima tínhamos coragem de entrar.
era falta de respeito pisar onde os mortos faziam seu cochilo eterno ou colocar o dedo na cara de algum jesus crucificado, mas não tinha problema fazer carinho nos anjos de mármore, rezar um pai nosso ou pedir proteção aos mortos. eu ignorava essas sugestões e o fato de que os mortos também eram meus. e continuava brincando.
outra coisa que não esqueço é o cheiro da poeira dos túmulos misturada aos panos úmidos. minha mãe e minhas tias traziam a tralha de limpeza de casa e a água vinha da torneira que ficava no fundo do cemitério. às vezes não saía sinal de vida dessa torneira e elas reclamavam do descaso com a morte. os túmulos eram apenas varridos e ficavam apenas as flores de plástico. paciência, era melhor do que nada.
ninguém chorava nessas visitas. ninguém falava com os mortos em voz alta. todo mundo encarava o retrato do morto por alguns segundos e, por fim, chegava-se sempre a mesma conclusão: a morte aconteceu cedo demais.
então minha prima reclamava de fome, eu dizia que estava entediada, a gente voltava pra casa e os mortos (meus mortos também) ficavam para trás.
em paz?
espero que sim.
…
às vezes sonho com meus mortos. eles dizem que não morreram e eu fico indignada. como assim, depois de todas as dores de cabeça por chorar demais, eles têm a cara de pau de voltar como se não tivesse acontecido nada? não, isso eu não admito. uma segunda morte dos meus mortos seria a morte pra mim.
Goodvibes de NOVEMBRO
Fiz parte do elenco da adaptação da peça “Bonitinha, mas ordinária” do Nelson Rodrigues e realizei o sonho de conhecer o teatro da minha cidade como artista. No início quase me caguei de nervoso, mas depois me diverti horrores. Afinal, foi pra isso que entrei no curso de Teatro: brincar!
Quando meu livro foi aceito pela Editora Patuá, fiquei cheia de vergonha antecipada pensando no dia do lançamento do meu livro “o áspero das faltas”, mas, como sempre, sofri por antecedência sem motivo algum. O evento aconteceu ontem e foi muito legal! Me senti muito querida e amada por todo mundo. Obrigada Patuá por me obrigar a fazer isso!
Criamos o hábito de ir num bar bagaceiro nos finais de tarde de domingo e nunca mais senti deprê pelos finais de semana se acabando.
Chegou a época do ano que dá pra enxergar o pôr do sol da janelinha do banheiro. Tomar banho na hora dourada do dia é luxo.
Badvibes de NOVEMBRO
Fui no dentista e só faltou ele arrancar os meus dentes e mandar eu fazer bochecho com água sanitária.
Vocês também têm mania de querer deixar a casa perfeita pra receber a visita dos pais? Spoiler: não importa quantas faxinas você faça, nunca será o suficiente.
Um desabafo do Medium: Nem toda escritora, mas sempre uma escritora tem dificuldade em se autopromover, e eu sou uma delas. É difícil escrever, sim, mas fazer post no instagram, gravar vídeo, pedir PELOAMORDEDEUS pros amigos e parentes comprarem o seu livro (ou pelo menos darem uma passadinha no seu lançamento) é muito pior. Além disso, eu me acho chata, repetitiva, irrelevante. Tem coisa muito mais interessante/importante acontecendo no mundo e eu aqui, tentando vender meu sonho. Sonho? Cuidado com o que desejas, eles disseram e eu não escutei. Enquanto isso, escrevo outro livro. A gente esquece muito rápido dos sofrimentos (que barra, irmã!). Tá, eu sei que tô exagerando. Mas o sol entrou em sagitário, sabe como é? Não sabe? Ah, eu também não acredito muito em signo, mas não custa colocar a culpa em outra coisa só pra variar… Falando em variar, que tal conhecer uma autora nova (eu) e comprar um livro novo (o meu)? Juro que não é chato. Todo mundo que leu (meus amigos) disseram que é bom. Tu não vai se arrepender, vai lá, entra nesse link e apoie uma poeta que não consegue se intitular poeta. Valeu, falou! Muchas gracias! Thank you very much!
Deitei na rede e vim de LEITURINHA
República surda (Ilya Kaminsky) - uma família destruída pelas marionetes da guerra.
É melhor se recolher (Jivago Furlan Machado) - um jovem militante fugindo do incêndio da hipocrisia.
Ioga (Emmanuel Carrère) - meditação em meio ao não-silenciamento de uma doença mental.
Neca (Amara Moira) - é babado, mona.
Adultos (Emma Jane Unsworth) - mais uma adulta moderna lelé da cabeça.
Um prefácio para Olívia Guerra (Liana Ferraz) - uma mãe que pulou da sacada e virou poesia ruim para a filha.
No meu rolo da câmera rolou essa foto aqui
O que é a VIDA, Gabriela?
sentir saudade dos nossos mortos enquanto a gente brinca de vida.
Parabéns pela peça, pelo lançamento do livro, por você! S2