na escola, inventei que era colorada porque era mais fácil desenhar o símbolo do Inter do que do Grêmio no livro de atividades. já me explicaram mil vezes, mas ainda não entendi o que significa um impedimento. torço pro Brasil só na Copa do Mundo e casei com um cara que não tem time nenhum. tenho pavor do Neymar, do Cristiano Ronaldo e dos escândalos que envolvem jogadores, mulheres traídas e casas de apostas. não vejo nenhuma parte boa em ir a um estádio depois que proibiram a venda de bebidas alcoólicas durante o jogo (aqui não vamos entrar no mérito das consequências positivas dessa mudança). e nunca, nunquinha mesmo, imaginei que uma série com um bando de macho correndo atrás de uma bola me fizesse chorar de emoção. mas
pra que viver fingindo
se eu não posso enganar meu coração?
tô completamente apaixonada por Ted Lasso!
não pelo Ted em si, ele é meio tiozão do pavê, mas, NOSSA… aqueles jogadores, aqueles técnicos, o menino que limpa as chuteiras fedorentas e sabe de tudo o que acontece no time, a blogueira brega e sem maldade, a musa cavalona com uma postura de milhões e dona da porra toda, o jornalista grisalho cabeludo com um charme inexplicável, as piadinhas idiotas mas com referência, a pessoa que era ruim e ficou boa, a pessoa que era boa e ficou ruim, as pernas (e a bunda) do Jamie Tartt, o BELIEVE pendurado na parede, os jogos perdidos, o nunca foi sobre vencer esses jogos perdidos, as crises de ansiedade, os hobbies fora do campo, os biscoitos no início de cada manhã, o bilionário que não consegue comprar todo mundo, a amizade entre as mulheres, os relacionamentos homoafetivos, o espírito de equipe, football is life, football is life, FOOTBALL IS LIFE!
meu deus, eu tô parecendo o Dani Rojas.
mas eu não tenho personalidade de Dani Rojas e, mesmo assim, chorei tanto de emoção que precisei entrar embaixo do chuveiro pra me acalmar (e pra continuar chorando com mais qualidade e dramaticidade), só por causa de um episódio que nem era o episódio final da temporada.
só que, como não sou corajosa o suficiente pra fazer terapia, preciso me analisar de alguma forma, e é aí que surge a pergunta: será que tô ficando louca?
bom, começando pelo começo, vivo dizendo que não tenho nada a ver com futebol, mas nasci do espermatozoide de um baita jogador (amador, mas jogador). a casa onde cresci é vizinha de dois campos de futebol (do Juventude e do Grêmio, times também amadores que não pagam salários absurdamente altos pros jogadores). a TV dos meus pais fica o dia inteiro acompanhando os campeonatos pelo mundo e, conforme a imagem abaixo, fui mascote dos times em que meu pai jogava. Segundo esse mesmo pai (e doador de espermatozoides), atrapalhei vários treinos enquanto brincava dentro do campo com a minha prima Cassi.

a prima Cassi e meus tios eram caseiros desse campo de futebol da foto, e a programação dos finais de semana sempre incluía assistir aos jogos diretamente do camarote da casa deles (uma sacada no estilo anos 90, no segundo andar e sem grades de proteção). minha mãe e minhas tias tomavam chimarrão e faziam fofoca. nós, as crianças, brincávamos bastante e depois atacávamos o pão com linguiça assada que, sei lá, devia custar um real. e os homens faziam gol e arrumavam briga ao som desse HINO cantado pelos torcedores:
juíz, ladrão, porrada é solução!
(é incrível a velocidade com que um torcedor consegue pular uma grade alta pra socar um árbitro.)
mas, tirando esse caos que também envolvia o futebol, percebo o quando esse esporte foi fundamental pra que eu criasse laços com meu pai e com o resto da família. meu pai me levava pros treinos, minha mãe me levava pros jogos, meus primos faziam parte da mesma torcida que a minha.
além disso, nessa época ninguém tinha carro, acesso ou dinheiro fácil pra usufruir de outras formas de lazer. o campo de futebol era democrático, acessível e envolvia outros eventos além da bola, como os jantares e os almoços dançantes pra arrecadar dinheiro e as festas com pagodão pra comemorar quando se ganhava um campeonato. ali, não importava quem era doutor ou empregado na cidade, todo mundo torcia e todo mundo dançava.
no dia 14 de junho, pisei no gramado do Mineirão pra assistir à última turnê do Gilberto Gil e, daquele lugar, girando o corpo pra conseguir enxergar toda a arquibancada, pude entender pelo menos 1% da imensidão de sentimentos que um jogador ou uma jogadora deve sentir ao entrar em campo. imagina na hora de bater um pênalti, então?
como cantou o Gil, o tempo é rei.
e foi ali, depois de muitos anos negando essa grande parte da minha vida, que cheguei a uma breve conclusão do motivo pelo qual Ted Lasso me deu uma bolada na cara e doeu de uma forma bem gostosinha:
futebol não é minha vida como é pro Dani Rojas, mas me ensinou a ganhar, a perder, a torcer e montar um time que sabe jogar em equipe.
e tem coisa melhor do que entrar em campo de mãos dadas com quem ama jogar com você?
Goodvibes de JUNHO
Tive muitas personalidades em junho, mas a que mais me orgulhei foi a de ser uma corredora de 5km na Maratona Internacional de Porto Alegre. Depois de 34 anos, ganhei minha primeira medalha (de participação, não se emocionem). Quem me conhece das antigas sabe… isso foi um acontecimento.
Viajei para Minas Gerais e, entre todos os pães de queijo com pernil, a arquitetura histórica de Ouro Preto e o sotaque gostosinhodemais dos mineiros, me maravilhei mesmo com o Instituto Inhotim. A palavra desse lugar precisa ser repassada. Conheça o Inhotim!
Sendo uma mulher do interior que ama viajar, encontrei o texto perfeito pra descrever os caminhos que percorremos para conseguir sair dos nossos fins de mundo:
Fui ao dentista e ganhei uma estrelinha pela excelente escovação dentária. Mas, calma lá, o mérito não é só meu. Também se deve à minha amiga, outra dentista e odontopediatra, que tem um Instagram onde posta conteúdos sobre odontopediatria e ensinou, como se eu tivesse cinco anos, a me escovar direito. Deveria estar com vergonha de aprender isso com mais de 30 anos? Deveria. Mas o que importa é que estou engajando o trabalho de uma amiga e, de quebra, economizo dinheiro ao evitar tratamento de canal!
Badvibes de JUNHO
Estava jantando com um amigo e o garçom saiu do restaurante para cortar as unhas perto o suficiente pra gente escutar o téc-téc-téc dos cascos sendo cortados. UM NOJO. Mas, como disse meu amigo, pelo menos o cara não cortou as unhas na cozinha.
Uma gringa abriu um pacote de bolacha dentro da instalação da artista japonesa Yayoi Kusama no Inhotim.
Que a Flora não me ouça, mas o som do show do Gilberto Gil (pelo menos pra quem assistia na pista) estava muito ruim.
Deitei na rede e vim de LEITURINHA
Ela se chama Rodolfo (Julia Dantas) - ninguém quer falar sobre a tartaruga na sala.
Curto circuito (Laisa Kaos) - três semanas de choque total.
Querido babaca (Virginie Despentes) - no fundo no fundo todo mundo é um pouco viciado em ser pau no cu.
Sem sinal de asas (Marcela Dantés) - dar-se conta da ausência de uma vida apenas quando os boletos não são pagos.
Ao farol (Virginia Woolf) - a casa fala, o farol vê.
A trégua (Mário Benedetti) - o amor de um homem comum não dura.
Não quero ter filhos e ninguém tem nada com isso (Bruna Maia) - as inúmeras razões para não ser mãe.
No meu rolo da câmera rolou essa foto aqui:
O que é a VIDA, Gabriela?
Fazer gol e correr pra torcida.
Sofrer um impedimento, ser rebaixado.
Saideira de rodapé
O áspero das faltas é o meu primeiro livro e foi publicado pela Editora Patuá em 2024. Você pode comprá-lo clicando aqui ou falando diretamente comigo pelo Substack ou Instagram.
Poderia comentar várias coisas, de Ted Lasso a A Trégua, mas só queria dizer que ri muito com "é incrível a velocidade com que um torcedor consegue pular uma grade alta pra socar um árbitro".
Adoro quando tem texto novo teu! E adorei ler o áspero das faltas!