tem gente que diz que não daria conta. tem gente que não tem estabilidade financeira ou emocional. tem gente que é muito velha. tem gente que não pode ter por alguma doença. tem gente que não tem útero. tem gente que não tem parceria e tem gente que simplesmente não quer. seja porque não tem vontade, pelos traumas familiares, por não ter uma rede de apoio legal e, mais importante do que isso, tem o detalhe de que o mundo tá acabando… não tá? claro que tá!
e com esse tempo pesado em que estamos vivendo, ainda há clima para procriar a espécie? eu acho que não… mas também não sou parâmetro, nunca quis ser mãe de ninguém.
quando criança eu brincava de casinha, bonequinha, barrigas falsas e partos naturais cheios de gritaria. minha mãe dizia que o sonho dela era ter quatro netos e eu até conseguia visualizar uma família imensamente feliz com os olhos inocentes de uma filha única. mas ser mãe nunca foi meu sonho.
sonhava mesmo era em ser cantora, artista, famosa. arrumar a mala, não ter casa, sair por aí conhecendo o mundo. viajar tanto quanto a família rica da minha cidade. escrever coisas interessantes, ser uma pessoa mais interessante ainda. ler muitos livros, estar sempre com meus amigos. ter liberdade de ir e vir e muito dinheiro na conta.
como adulta, sou péssima cantora, tímida e introvertida. escrevo bastante lorota e sou mais chata do que interessante. tenho preguiça das pessoas, zero paciência para quem tá começando e sempre faço piada para fugir das situações sérias. mas também já consegui viajar para muitos lugares, tenho tempo para os livros (quando consigo sair do tiktok e do instagram), para alguns dos meus amigos e sou consciente de todos os privilégios que me dão certa liberdade.
acho que a gabriela criança ficaria feliz com a gabriela adulta. ainda assim, tenho minhas dúvidas.
dúvidas porque o mundo me diz que, com 33 anos, um trabalho estável e um companheiro, eu já deveria ter tido um filho ou pelo menos estar tentando ter um. e essa cobrança não vem só do mundo, não. ela vem das pessoas que mais amo e daqueles que não tem nada a ver comigo.
o que mudaria na vida da minha vizinha se eu parisse um ser humano ou não?
pode até haver uma explicação para esse tipo de pergunta, mas de toda forma isso é muito chato. parece que, desde que cheguei à casa dos trinta, sou vista apenas como uma fábrica que deveria estar seguindo o fluxo “natural” da vida e reproduzindo sem fazer perguntas ou reclamações. não importa se estou feliz, se tenho outros planos ou se não existe interesse algum nesse tipo de linha de produção.
eu preciso maternar e ponto. só assim serei uma mulher de verdade.
será?
tenho certeza que não.
talvez não seja essa mulher-fábrica que o mundo espera de mim, mas sou sim uma mulher de verdade, com tudo de bom e de ruim que esse gênero carrega.
talvez eu nunca conheça esse amor louco que dizem que as mães sentem pelos seus filhos, biológicos ou não, mas tá tudo bem. eu consigo viver sem o MAIOR AMOR DO MUNDO. só não quero viver com privação de sono e ansiedade por medo de perder um filho por acidente ou enchente ou falta de água ou guerra nuclear. também prefiro gastar meu dinheiro com viagens, cursos, com o teatro, e o meu tempo, sem fazer algo grandioso demais, prefiro torrar assistindo Quilos Mortais em uma tarde de domingo, enquanto tiro as cutículas das unhas dos meus pés.
me deixem quieta com as minhas pequenas alegrias da vida adulta.
eu tenho certeza que seria uma ótima mãe. deve ser muito legal criar uma pessoinha em branco. ficar de chamego, sentir o cheirinho da cabeça, acompanhar cada passinho e cada palavrinha cheia de erros fofos de pronúncia. levar na pracinha, pegar na escola, dar conselho quando virar um adolescente chato e de coração partido. ter uma mesa cheia no natal, talvez ter netinhos. isso tudo é muito bonito, sou fã de quem se aventura na maternidade. amo meus sobrinhos, o meu afilhado, os filhos dos meus amigos, são todos ótimos. eu amo, amo, amo ser tia, mas ser mãe não é pra mim.
e eu sei que posso mudar de ideia, tá bom?
talvez o relógio biológico me vire de ponta cabeça, como dizem que acontece por aí, e tudo fique diferente, as prioridades mudem e eu ache a coisa mais legal do mundo trocar meus planos pra encaixar nos planos de outra pessoinha com o meu sobrenome. se acontecer isso, beleza. se não acontecer, beleza também.
eu só espero do futuro duas coisas:
1 - que eu possa continuar fazendo as minhas escolhas sem a interferência do que os outros acham que é melhor pra mim (ALÔ, ALÔ, VIZINHA SEM NOÇÃO!!!)
2 - e que eu continue caminhando e cantando e seguindo a canção nos diferentes caminhos pra onde essas minhas escolhas me levarem. sem pressa e sem culpa, amém.
Goodvibes de MAIO
Resolvi assistir The Office pela segunda vez e a série continua tão maravilhosa como se eu ainda fosse virgem de Michael Scott.
Participei de um Aulão de Escrita Criativa onde todo o valor arrecadado foi doado às vítimas da tragédia climática no Rio Grande do Sul. Foi um baita fôlego para aguentar esse mês embaixo d’água.
Moro fora de uma área de risco, meus pais e amigos estão bem, tenho comida, água e luz. Tenho esperança e, na maior parte do tempo, acredito que as coisas vão melhorar. Não arrumei briga na internet, não espalhei fake news, não fiz mais que a minha obrigação. Cada vez mais acredito na potência da cultura e da arte. Elas nos desafogam da realidade.
Badvibes de MAIO
Na tarde do dia 01 de abril, em Santa Maria - RS, onde moro, foi registrado o maior volume de chuva do mundo. Dá pra acreditar? Ninguém quer ficar em primeiro lugar nesse tipo de ranking. Só que isso foi apenas o começo. Pontes caíram e ficamos ilhados. Sem água e, com medo de ficar sem mantimentos, se multiplicaram as pessoas sem noção nos mercados da cidade. Carrinhos lotados, brigas por ovos e abrigos cheios de quem realmente estava passando necessidades. O arquivo histórico da UFSM e o estoque de livros da Editora, onde trabalho, foram submersos em água suja.
Algumas coisas se recuperam, livros podem ser reimpressos, mas tem memória que não existe mais. Perdemos o presente e o passado de uma só vez. Foram dias e dias de dor no estômago, culpa por não estar ajudando o suficiente, medo de que começasse a chover de novo, tristeza por ter que riscar alguns planos do papel, raiva pelo descaso dos governantes quanto às mudanças climáticas, um baita orgulho dos amigos que se organizaram para ajudar e um pouquinho de esperança quando assistia aos vídeos de animais sendo resgatados com vida. Foi a maior tragédia ambiental do meu estado e, ao contrário do que acontecia antes, quando a gente pensava “ah, mas agora o pior já passou”, eu não tenho mais tanta certeza disso. Além da destruição pós enchente, fica a ansiedade, o medo e a apreensão de que tudo isso possa acontecer mais uma vez, logo ali, na próxima chuva. Quem tá bem, não tá bem.
Ter esperança em dias melhores é bom para não enlouquecermos de vez, mas ajudar (da forma que der) é ainda mais importante. Se você quiser doar qualquer valor para as vítimas climáticas do RS, indico a ONG Misturaí POA. Eles estão fazendo um trabalho responsável e muito necessário para quem perdeu tudo.
Deitei na rede e vim de LEITURINHA
Novas formas de amar (Regina Navarro Lins) - quanto mais amor (e sexo), melhor.
Se deus me chamar não vou (Mariana Salomão Carrara) - uma menina criança demais para contar uma história adulta demais.
Maternidade (Sheila Heti) - ter ou não ter filhos, eis a questão.
Escrever (Marguerite Duras) - estamos todos sozinhos… na escrita, no túmulo, em Roma.
Devoção (Patti Smith) - nesse mundo, (quase) toda mulher precisa matar ou morrer pela sua devoção.
Por que você dança quando anda? (Abdourahman A. Waberi) - gostar de ler não foi bengala, mas a trilha sonora para dançar.
Aos prantos no mercado (Michelle Zauner) - comida é cultura, amor e uma forma de sobreviver ao luto.
O jovem (Annie Ernaux) - às vezes, para ser escrito, um livro só precisa de um amor novo.
No meu rolo da câmera rolou essa foto aqui
O que é a VIDA, Gabriela?
respirar quando possível,
mergulhar quando necessário.